Cresci na igreja católica. Fui à catequese, fiz a primeira comunhão e a crisma. Todo o domingo comparecia às missas, até que o padre falou mal de pessoas homoafetivas. E que bom que ele falou, pois tomei vergonha na cara e percebi que eu estava agindo feito um idiota, insistindo em fazer parte de um grupo que simplesmente não me aceita. Levantei e deixei a igreja, não voltei. Hoje em dia, alguns ainda insistem para que eu vá a alguma missa. Não vou. Não vou e me sinto bem estando longe de tudo aquilo, de todos aqueles pensamentos preconceituosos, que apesar de antigos, as pessoas não os abandonam. Depois que parei de ir à igreja católica com 15 anos, comecei a trabalhar em uma lanchonete, cujos donos são de uma religião protestante. Quase toda a clientela da lanchonete era de pessoas dessa igreja. Um calvário. Por dois anos estive no meio de pessoas egoístas, materialistas, que na igreja pregavam o que não cumpriam, não seguiam. Falavam sobre o amor ao próximo, mas suas atitudes eram de incompreensão, preconceito e intolerância. Por muitas vezes, me senti ofendido e diminuído. Fui me desapegando da ideia de religião e criando uma espécie de auto-espiritualidade, onde eu não precisaria de um padre, nem pastor, para dizer o que é certo ou errado.
Em nenhum momento senti falta da igreja católica, que não pôde responder minhas dúvidas, que me excluiu e disse que eu iria para um suposto inferno, simplesmente por existir. Em nenhum momento senti vontade de participar de alguma religião protestante, pois discordo quase que completamente de suas crenças. Minha irmã espírita me convidou a frequentar um centro espírita. Em parte, me encontrei dentro desta doutrina, que me explicou coisas que eu não entendia e desde pequeno sentia. Me falaram sobre um não-fim, um não-inferno, um Deus não-mal, não-injusto, não-vaidoso. Lá, me senti aceito, um jovem não-doente, não-anormal, até o dia em que disseram o que me matou, “O ‘homossexualismo’ é algo que deve ser evitado. Os gays precisam deixar de ser gays”. Me retirei do grupo e não voltei. Não posso deixar passar em branco um pensamento desta proporção. Não posso deixar passar o fato de que o grupo em que estou inserido, acredita e prega que eu possa mudar tudo em mim, de que eu não sofreria para se adequar a padrões ridículos que não fazem sentido diante do que realmente é ser um humano. Não posso simplesmente virar o rosto e continuar entre pessoas que preferem respeitar regras, tradições e convenções de uma crença cruel, e desprezam o fato de que não é a sexualidade que dirá como é o caráter de alguém.
“Não tenho nada contra homossexuais, o que não aprovo são os atos homossexuais”: PAPO FURADO! Confesso que fico nervoso quando escuto alguém falando algo assim. Me soa como um “Não tenho nada contra gays, contanto que fiquem longe de mim”. Minha vontade é ir até a pessoa e perguntar: “Então você é cruel o bastante para desejar que alguém passe a vida inteira fingindo ser o que não é? Se privando de viver a sua sexualidade, sua afetividade, se sentindo pressionado, vazio, magoado, triste?” Gostaria que as pessoas entendessem que não escolhemos ser gays, “Ah, vou virar gay porque é legal, porque é colorido e serei descolado”. Não é assim. Não existe um botão que podemos apertar e nos transformarmos em heteros como em um passe de mágica. Mas como é que as pessoas podem entender isso, se as religiões insistem em bater na mesma tecla de que é pecado, pecado, pecado? Como é que as pessoas podem entender isso, se muitos ainda dizem que ser gay é uma doença? Dizem que alguém se torna gay por influências de outros gays. Sou gay e se você me perguntar se isso é verdade, direi que não. Não cresci em contato com gays, apenas com heterossexuais. “Crianças criadas por casais homossexuais serão homossexuais”. Verdade?! Então porque sou gay se fui criado por um casal heterossexual?
Aprendi com tudo isso, que o importante é eu me aceitar exatamente como sou, porque só assim terei chance de ser feliz. Errado seria se eu me rendesse às normas e vivesse infeliz, negando diariamente a mim mesmo. Isto sim, seria uma doença, seria a doença MEDO. Não abandonei minha espiritualidade, ela continua aqui, mas agora é algo positivo e apenas meu. Entendi que sozinho não posso acabar com o preconceito e intolerância contra a sexualidade, mas posso fazer minha parte expressando o que penso. Existem as “zonas perigosas”, onde não posso ir sem sofrer algum tipo de ataque, onde não posso sair sem ao menos estar com um arranhão. Uma dessas zonas é a religião, que abandonei quando percebi que ao contrário de servir como caminho, me confundia e condenava. Quem ficaria perto de um cão feroz, correndo o risco de ser mordido a qualquer momento? Quem tomaria uma dose de veneno todos os dias? Quem aceitaria viver em uma redoma de vidro, imaginando como deve ser bom lá fora, como deve ser bom poder deitar na grama, olhar para o céu e dizer, “Meu Deus, como é bom ser eu mesmo. Obrigado!”.
P.S: O tema desta crônica é, "Não posso fazer parte de um grupo que não aceita minha sexualidade". Não estou aqui para convencer ninguém de nada, apenas para explicar os motivos que me levaram a deixar certos grupos. Não generalizei, não comparei. O que fiz foi dizer o motivo de não frequentar esses grupos.